Ordem cronológica de pagamentos e o dever de fiscalização do Tribunal de Contas: mudança de entendimento à luz da Lei 14.133/2021.

 Sandro Luiz Nunes

       Gostaria de chamar a atenção dos colegas para uma mudança importante de orientação do Tribunal de Contas de Santa Catarina.

         Por diversas vezes, esta Corte de Contas já se pronunciou sobre sua incompetência para ordenar o pagamento de créditos devidos pela administração pública, e sempre vinha decidindo pelo não conhecimento da denúncia e pelo arquivamento dos autos.

         O principal argumento era de que a falta de pagamento dos contratos envolveria interesse privado e assim, deveria ser conduzida no âmbito do Poder Judiciário, uma vez que não possui impactos significativos no interesse público que mereçam atuação desta Corte de Contas.

           No ano de 2024 levei essa questão para Congresso de Licitações e Contratos na OAB para discutir o equívoco dessa interpretação, reafirmando a competência do TCE para examinar os casos que abordam a ausência de pagamentos.

                Parece-nos que Tribunal Pleno adotou essa mesma linha de pensamento.

                Por exemplo, temos a Decisão n. 185/2025 exarada no @PAP 24/80027915 em que o Tribunal Pleno determinou que fosse dado ciência à Diretoria-Geral de Controle Externo para que, em seus relatórios técnicos futuros, observe o entendimento deste Pleno acerca da necessidade de análise de eventual inobservância imotivada da ordem cronológica de pagamentos, especialmente à luz das disposições da Lei n. 14.133/2021, sem prejuízo da possibilidade de conversão do processo em uma espécie mais adequada de controle, caso necessário.

        Nesses autos, assim se manifestou o Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior:

O advento da nova Lei de Licitações e Contratos reforçou e detalhou essa exigência, trazendo maior clareza quanto ao papel dos órgãos de controle. A partir da leitura da previsão legal, entende-se que a inobservância imotivada da ordem cronológica de pagamentos não apenas pode, como deve, ser objeto de fiscalização por parte desta Corte de Contas.

O § 2º do art. 141 da referida lei estabelece expressamente essa prerrogativa, reforçando o dever de controle sobre a execução de contratos administrativos. Senão, vejamos:

Art. 141. No dever de pagamento pela Administração, será observada a ordem cronológica para cada fonte diferenciada de recursos, subdividida nas seguintes categorias de contratos:

[..]
§ 2º A inobservância imotivada da ordem cronológica referida no caput deste artigo ensejará a apuração de  responsabilidade do agente responsável, cabendo aos órgãos de controle a sua fiscalização.

 Assim, considero que a matéria deve, sim, ser submetida à análise desta Corte de Contas, uma vez que integra a sua competência de fiscalização.

Além disso, faz referência a um objeto determinado e/ou a uma situação-problema específica, qual seja, o não pagamento de uma nota fiscal referente a um contrato administrativo, podendo ensejar ou não a inobservância da ordem cronológica de pagamentos.

        Esta posição foi reafirmada com a Decisão n.: 762/2025 exarada nos autos do processo @DEN 25/00071345, da relatoria do Conselheiro Luiz Roberto Herbst (publicado em 11/07/2025), em que o  Tribunal Pleno decidiu por, novamente, dar ciência à Diretoria-Geral de Controle Externo desta Casa para que, em seus relatórios técnicos futuros, observe o entendimento deste Pleno acerca da necessidade de análise de eventual inobservância imotivada da ordem cronológica de pagamentos, especialmente à luz das disposições da Lei n. 14.133/2021, sem prejuízo da possibilidade de conversão do processo em uma espécie mais adequada de controle, caso necessário.

Conclusão

          A recente mudança de entendimento do Tribunal de Contas em relação à sua competência para fiscalizar a inobservância da ordem cronológica de pagamentos representa um avanço relevante na concretização dos princípios da legalidade, da transparência e da eficiência na administração pública. Ao reconhecer que o descumprimento imotivado dessa ordem pode configurar irregularidade de interesse público, passível de controle externo, a Corte reafirma seu papel constitucional de guardiã da boa execução da despesa pública. 

     A interpretação reafirmada evidencia que a fiscalização dos pagamentos contratuais, especialmente quando há indícios de violação à ordem legal estabelecida, integra o escopo do controle exercido pelos tribunais de contas. Espera-se, com isso, o fortalecimento da atuação preventiva e corretiva dessas instituições, promovendo maior segurança jurídica e previsibilidade nas relações contratuais firmadas com o poder público.