Norma municipal não pode proibir contratação de pessoas ligadas, por matrimônio ou parentesco, afim ou consanguíneo, até o terceiro grau inclusive, ou por adoção, a servidores municipais que não ocupem cargo em comissão ou função de confiança

 

RE 910552

Órgão julgador: Tribunal Pleno

Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA

Redator(a) do acórdão: Min. ROBERTO BARROSO

Julgamento: 03/07/2023

Publicação: 09/08/2023


A decisão trata de um recurso extraordinário relacionado ao direito constitucional e administrativo, com ênfase em licitações e contratos administrativos. O caso envolveu a análise da constitucionalidade de um artigo da Lei Orgânica do Município de Francisco Sá, em Minas Gerais, que proibia a celebração de contratos administrativos pelo município com determinadas categorias de pessoas, incluindo o Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores, os Servidores Municipais e seus parentes por matrimônio ou parentesco.

A decisão menciona que o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia considerado constitucionais disposições semelhantes em outras leis orgânicas municipais. No entanto, o tribunal observou que o dispositivo em questão foi além do que seria constitucionalmente legítimo proibir.

A análise destacou que as leis anteriores consideradas constitucionais proibiam a celebração de contratos com cônjuges, companheiros e parentes de agentes eletivos e de servidores públicos municipais ocupantes de cargos em comissão ou função de confiança. Essa proibição não abrangia pessoas ligadas a servidores que não ocupassem cargos de direção ou confiança.

Além disso, a decisão mencionou resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que também vedam o nepotismo, restringindo a proibição de contratação aos cônjuges, companheiros e parentes de magistrados e membros do Ministério Público que ocupam cargos de direção ou funções administrativas, bem como de servidores em posições de direção, chefia e assessoramento.

O tribunal argumentou que a proibição de contratação pública se justifica como um imperativo de moralidade e impessoalidade quando há risco de influência sobre a conduta dos agentes responsáveis pela licitação ou pela execução do contrato. No entanto, não é razoável presumir tal suspeição na contratação de pessoas ligadas a servidores que não ocupam cargos de direção, chefia ou assessoramento, pois esses não têm meios de influenciar os processos de licitação e contratação do órgão público.

Portanto, o recurso foi parcialmente provido, e foi dada uma interpretação conforme ao dispositivo da Lei Orgânica do Município de Francisco Sá, excluindo a proibição de contratação de pessoas ligadas, por matrimônio ou parentesco, afim ou consanguíneo, até o terceiro grau inclusive, ou por adoção, a servidores municipais que não ocupem cargos em comissão ou função de confiança.

A tese de julgamento estabelece que é constitucional um ato normativo municipal que proíba a participação em licitações ou a contratação de certas categorias de pessoas, incluindo agentes eletivos, ocupantes de cargos em comissão ou função de confiança, cônjuges, companheiros, parentes em linha reta ou colateral por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, e outros servidores públicos municipais.


Ementa

Ementa: Direito Constitucional e administrativo. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Licitações e contratos administrativos. Lei orgânica municipal. Vedação à celebração de contratos administrativos com agentes públicos e seus familiares. 1. Recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que declarou inconstitucional o art. 96 da Lei Orgânica do Município de Francisco Sá. O dispositivo legal veda a celebração de contratos administrativos pelo Município com o Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores, os Servidores Municipais e com as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consanguíneo, até o terceiro grau inclusive, ou por adoção. 2. O Supremo Tribunal Federal já afirmou a constitucionalidade de previsões semelhantes, contidas nas leis orgânicas dos Municípios de Brumadinho (RE 423.560, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. em 29.05.2012) e de Belo Horizonte (ARE 648.476, Primeira Turma, sob minha relatoria, j. em 23.06.2017). No entanto, a partir dos critérios defendidos nesses precedentes, identifico que o dispositivo legal ora analisado foi além do que seria constitucionalmente legítimo proibir. 3. Os dispositivos legais já reputados constitucionais por esta Corte incluíam no rol de pessoas proibidas de contratar com o Município os cônjuges, companheiros e parentes (i) dos agentes eletivos e (ii) dos servidores e empregados públicos municipais que ocupem cargo em comissão ou função de confiança. A vedação não alcançava pessoas ligadas a servidores e empregados públicos que não ocupassem cargo em comissão ou função de confiança. 4. No mesmo sentido, as Resoluções CNJ nº 7/2005 e CNMP nº 37/2009, que vedam a prática do nepotismo, restringem a proibição de contratar aos cônjuges, companheiros e parentes (i) dos magistrados e membros do Ministério Público ocupantes de cargos de direção ou no exercício de funções administrativas e (ii) dos servidores ocupantes dos cargos de direção, chefia e assessoramento. 5. Conforme precedentes do Tribunal de Contas da União, o impedimento à contratação pública se justifica como um imperativo de moralidade e de impessoalidade sempre que a situação fática analisada permita antever risco de influência sobre a conduta dos agentes responsáveis pela licitação ou pela execução do contrato, a justificar uma espécie de suspeição. Não é possível presumir tal suspeição na contratação de pessoas ligadas a servidores que não exercem nenhuma função de direção, chefia ou assessoramento e que, por isso, não possuem meios de influenciar os rumos das licitações e contratações do ente. 6. Recurso parcialmente provido, para dar interpretação conforme ao art. 96 da Lei Orgânica do Município de Francisco Sá, de modo a excluir a proibição de contratação de pessoas ligadas, por matrimônio ou parentesco, afim ou consanguíneo, até o terceiro grau inclusive, ou por adoção, a servidores municipais que não ocupem cargo em comissão ou função de confiança. 7. Tese de julgamento: “É constitucional o ato normativo municipal, editado no exercício de competência legislativa suplementar, que proíba a participação em licitação ou a contratação: (a) de agentes eletivos; (b) de ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança; (c) de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer destes; e (d) dos demais servidores públicos municipais”.


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