O regime de contratações para situações de calamidade pública na Medida Provisória nº 1.221, de 17 de maio de 2024 – Mais um puxadinho para as contratações: Quando será que aprenderemos?
Sandro Luiz Nunes
Advogado - Auditor Fiscal de Controle Externo –
TCE/SC – Especialista em Licitações e Contratos – Mestrando em Direito – UFSC.
1.
Introdução.
A
realidade dura dos fatos impõe uma corrida legislativa contra o tempo para
salvar milhares de brasileiros. Assim como ocorreu no período de enfrentamento
da pandemia da covid-19, o sistema de contratações pública tradicional dá
sinais de ser ineficiente, forçando, novamente, o Chefe do Poder Executivo
Federal a lançar mão de um instrumento não muito afeito ao regime democrático
para buscar soluções paliativas para o enfrentando de mais uma tragédia.
Nos
anos de 2020 e 2021 foram publicadas diversas Medidas Provisórias para o
enfrentamento da pandemia da covid-19, como a Medida Provisória nº 961, de 6 de
maio de 2020 (convertida posteriormente na Lei nº 14.065/2020), que autorizou pagamentos antecipados, aumentou os
limites para dispensas de licitações e ampliou as hipóteses de adoção do Regime
Diferenciado de Contratações; a Medida Provisória n 1.026, de 6 de janeiro de
2021 (convertida posteriormente na Lei nº 14.124/2021), que tratou de regras
para as contratações de vacinas e a Medida Provisória nº 1.047, de 3 de maio de
2021, que dispôs sobre medidas excepcionais para a aquisição de bens, serviços,
inclusive de engenharia, e insumos para o enfrentamento da pandemia da
covid-19.
Algumas
destas novidades foram incorporadas na Lei nº 14.133/2021, que teve sua
aprovação acelerada em razão da necessidade de instrumentalizar a Administração
Pública brasileira com uma lei que proporcionasse maior agilidade, eficiência,
eficácia e economicidade nas contratações.
Agora
em 2024, mais uma vez a população brasileira é tomada de surpresa com a
tragédia experimentada pela população do Estado do Rio do Grande do Sul,
vitimada com a maior enchente já vista e documentada nos últimos séculos.
O noticiário traz informações sobre o
deficitário planejamento e investimentos em prevenção e combate aos efeitos das
ações climáticas que já são sentidas em muitas localidades nas últimas décadas.
Outros Estados brasileiros igualmente
são palcos de tragédias semelhantes, ainda que de menor impacto regional, mas
não menos trágico para a população atingida, geralmente a população que mais
precisa de atenção do Poder Público.
Só
para exemplificar, agora em maio de 2024 as regiões do Vale do Itajaí, Planalto
Sul, Grande Florianópolis, Meio Oeste, Planalto Norte e Litoral Norte do Estado
de Santa Catarina são vítimas de catástrofes climáticas que tendem a ocorrer
com certa regularidade e/ou previsibilidade. Santa Catarina até hoje não se
esqueceu das cheias de 1983 na região de Blumenau.
O
Tribunal de Contas de Santa Catarina com o objetivo de auxiliar o gestor na
governança pública preparou uma Cartilha contendo informações sobre como a
Administração Pública pode atuar em relação às contratações públicas em casos
de emergência e calamidade pública[1], tendo como norte a
disciplina contida na Lei nº 14.133/2021.
Contudo,
em relação às respostas urgentes que a Administração Pública precisa dar à
sociedade, como ocorre em situações de enfrentamento de situações de calamidade
pública, pouca coisa mudou quando comparado à disciplina contida na lei de
licitações anterior (Lei nº 8.666/93).
A
disciplina das contratações emergenciais está prevista no art. 75, inc. VIII da
Lei nº 14.133/2021, que, basicamente, ampliou o prazo máximo de vigência dos
contratos emergenciais, de 180 dias (lei anterior) para até 1 (um) ano; impôs
uma regra esdrúxula (que irá conflitar com a realidade e sujeitar os gestores
públicos a sanções desnecessárias perante os órgãos de controle) quando proíbe
a recontratação da empresa já contratada, caso a situação emergencial ou
calamitosa permaneça ao final do prazo de 1 (um) ano, já que esta medida
importará em evidente risco de a Administração Pública efetuar mais gastos,
sobretudo em contratos de serviços, inclusive de engenharia, ou,
principalmente, em casos de obras de infraestrutura. Pense somente no custo de
mobilização e desmobilização, treinamento, capacitação de pessoal, que gerará
com a mudança de uma empresa por outra, apenas para atender à desconfiança do
legislador de que a manutenção da contratação seria uma forma de se incentivar
a ineficiência, sobretudo quando o próprio contratado dá causa à permanência da
situação emergencial.
Ao invés de criarem medidas
eficientes para apuração dos fatos e sancionar aqueles mal intencionados, o
legislador optou pelo caminho mais simples, impedir de forma ampla e irrestrita
a prorrogação do contrato emergencial e a recontratação da empresa que já está
no local prestando o serviço ou executando a obra, como se isso fosse
suficiente para impedir aqueles que desejam criar embaraços à administração ou
se locupletarem às custas da ineficiência dos serviços de controle,
fiscalização e gestão de contratos de atuarem.
Pois
bem, chegada as chuvas na região sul do Brasil que acarretou na inviabilização
de uma rotina normal na sociedade gaúcha, com mais de 150 mortes, quase 100
desaparecidos, e milhares de desabrigados, que perderam tudo que possuíam,
gerando uma rede de solidariedade que se espalhou por todo o país e pelo mundo,
a Administração Pública mais uma vez se vê atrelada na burocracia necessária
para realizar as contrações de bens, serviços e obras contidos na complexa Lei nº
14.133/2021, que, apesar de ter o discurso da inovação nas contratações, é tão
complexa quando a anterior, se não mais. Na prática, a nova lei de licitações
demonstra ser tão ineficiente quanto a anterior, sob o ponto de vista da
agilidade de suas entregas.
Reconhecendo
este fato, o Presidente da República fez publicar, no Diário Oficial da União
do dia 17 de maio de 2024, a Medida Provisória nº 1.221, de 17 de maio de 2024,
que estabeleceu medidas excepcionais para a aquisição de bens e a contratação
de obras e de serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento de
impactos decorrentes de estado de calamidade pública.
Estas novas regras já estão vigor
desde 17 de maio de 2024 e já se aplicam ao Estado do Rio Grande do Sul, no
prazo previsto no Decreto Legislativo nº 36, de 7 de maio de 2024, dispensada,
nesse caso, a edição dos atos de que trata o § 1º do art. 1º da referida Medida
Provisória.
O
regime excepcional da Medida Provisória nº 1.221/2024 será aplicado às
contratações realizadas no prazo previsto no ato autorizativo específico
indicado no inciso II do § 1º do art. 1º, assim como nos casos de prorrogação
dos contratos firmados neste período de urgência, conforme será detalhado
adiante e a Lei nº 14.133, de 2021 será aplicada às licitações e às
contratações, naquilo que não lhe for contrário.
Mas
sobre as novidades trazidas pela Medida Provisória nº 1.221/2024 que iremos
tratar a seguir.
2. A medida
provisória nº 1.221, de 17 de maio de 2024.
2.1. Sua
aplicação na Administração Pública.
Em
primeiro lugar, cabe considerar que as alterações promovidas pela Medida
Provisória nº 1.221, de 17 de maio de 2024 não afastam a possibilidade de a
Administração Pública continuar a utilizar as hipóteses de dispensa de
licitação para situações de emergencial e calamidade de que trata o inc. VIII
do art. 75 da Lei nº 14.133/2021, que não foi revogada ou alterada pela medida
provisória, ainda que possa haver pontos de contato em relação as situações de
calamidade pública.
Segundo,
as medidas excepcionais para a aquisição de bens e a contratação de obras e de
serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento de impactos
decorrentes de estado de calamidade pública serão aplicadas nos casos em que houver a declaração ou o reconhecimento do
estado de calamidade pública, emitido pelo Chefe do Poder Executivo do Estado
ou do Distrito Federal (Governador) ou pelo Poder Executivo federal (Presidente
da República), nos termos do disposto na Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012;
e quando houver ato específico do Poder Executivo federal ou do Chefe do Poder
Executivo do Estado ou do Distrito Federal, com a autorização para aplicação
das medidas excepcionais e a indicação do prazo dessa autorização.
Portanto,
as hipóteses de aplicação das medidas excepcionais são, como o próprio nome já
indica, reservadas para aquelas situações extremamente graves que demandam a
atuação do Sistema de Proteção da Defesa Civil.
Não se aplicaria, por exemplo, para situações
em que não esteja caracterizada a extrema urgência no atendimento pelo poder
público, ainda que seja necessário para se evitar prejuízo ou que não comprometa
a continuidade dos serviços públicos (situação 1) ou a segurança de pessoas, de
obras, de serviços, de equipamentos e de outros bens, públicos ou particulares
(situação 2). Nestes casos, aplicar-se-á as regras tradicionais da Lei n.
14.133/2024, tendo o inc. VIII do art. 75 como o fundamento para a contratação
direta, já que estas duas situações igualmente são requisitos para a declaração
da situação emergencial ou calamitosa prevista no inc. VIII do art. 75 da Lei nº
14.133/2021. Contudo, na lei geral, este ato prévio advindo do Sistema de
Proteção da Defesa Civil não é requisito obrigatório. Contudo, o reconhecimento
formal do Poder Executivo Federal, Estadual ou Distrital do estado de
calamidade pública é pré-requisito para as contratações fundadas na Medida
Provisória nº 1.221/2024. Assim, uma vez reconhecido o estado de calamidade
pública pelas autoridades competentes, a Administração Pública, constituída
pelos órgãos e as entidades abrangidos pelo art. 1º da Lei nº 14.133, de 1º de
abril de 2021, da União, do Estado, do Distrito Federal ou dos Municípios, que forem
atingidos e reconhecidos na forma da Lei n 12.608/2012, poderão utilizar-se das
medidas excepcionais de que trata a Medida Provisória nº 1.221/2024.
Isto
significa que os municípios só poderão aplicar as medidas excepcionais se
houver o reconhecimento pelo Poder Executivo Estadual, Distrital ou Federal, e
obterem a expressa autorização do Estado ou União, a quem caberá inclusive
definir o prazo de validade dessa autorização.
O Poder Executivo Federal deverá editar o
regulamento para disciplinar o procedimento para a edição do ato autorizativo.
2.2.
Medidas excepcionais: quais são?
A
Medida Provisória nº 1.221/2024 arrolou no seu art. 2º quais seriam as medidas
excepcionais que estariam os órgãos e entidades da Administração Pública
atingidos pela situação de calamidade autorizados a adotar, sendo elas:
a)
presunção quanto aos fatos justificadores da
dispensa de licitação.
- o uso da dispensa de licitação para
a aquisição de bens, a contratação de obras e de serviços, inclusive de
engenharia, com a presunção de que estão comprovadas as condições de ocorrência
do estado de calamidade pública (o ato de reconhecimento é suficiente para este
fim); que há a necessidade de pronto atendimento da situação de calamidade
(situação 1); que há o risco iminente e gravoso à segurança de pessoas, de
obras, de prestação de serviços, de equipamentos e de outros bens, públicos ou
particulares (situação 2) e que está limitada a contratação à parcela
necessária ao atendimento da situação de calamidade.
Na
dispensa de licitação prevista no art. 75, inc. VIII da Lei nº 14.133/2021 o
gestor precisa demonstrar o atendimento dos requisitos exigidos no dispositivo,
conforme a situação que justificar a contratação direta, no caso, a comprovação
de que há o risco nas situações 1 ou 2, acima mencionadas, seja em casos de contratações
emergenciais, seja em casos de calamidade pública.
No caso da Medida Provisória n.1.221/2024,
há uma presunção legal relativa em relação a ocorrência destas situações de
anormalidade com a expedição do ato reconhecendo a situação de calamidade
pública, a qual somente poderia ser afastada se houver prova em sentido
contrário.
b) Redução de
prazos nas publicações oficiais em licitações e nas contratações diretas feitas
com fundamento no § 3º do art. 75 da Lei nº 14.133.2021.
A
Lei nº 14.133/2021 disciplina em seu art. 55 sobre os prazos mínimos que devem ser
observados durante a fase de publicação dos editais das licitações, bem como o
§ 3º do art. 75 sobre o prazo para divulgação do aviso de dispensa de licitação
previsto nos incisos I e II do art. 75 (dispensa em razão do valor).
Para
atendimento as situações de calamidade de que trata a Medida Provisória nº 1.221/2024,
os órgãos e entidades da Administração Pública atingidos poderão reduzir pela
metade os prazos mínimos previstos no art. 55 e no § 3º do art. 75 da Lei nº
14.133/2021, para a apresentação das propostas e dos lances, nas licitações ou
nas contratações diretas com disputa eletrônica, isto significa que a redução
de prazo não se aplica para as licitações e contratações diretas realizadas na
forma presencial.
Diferentemente
da Medida Provisória n. 1.026, de 06 de janeiro de 2021 (aquisição de vacinas),
a Medida Provisória n. 1.221/2024 não trouxe regra específica para os casos de
números ímpares.
No
que o § 3º do art. 75 da Lei nº 14.133/2021 prevê o prazo mínimo de 3 (três)
dias úteis para a publicação do aviso da dispensa de licitação em sítio
eletrônico.
No
caso da Medida Provisória n. 1.026/2021, em relação a regra que previa a
redução dos prazos pela metade, o § 1º do seu art. 8º dispunha que “Quando o prazo original de que trata o caput for
número ímpar, este será arredondado para o número inteiro antecedente”.
Logo,
ante a omissão na Medida Provisória n. 1.221/2024 acerca desta regra, entendemos
que o adequado seria seguir a mesma orientação, pois, onde há a mesma razão de
ser, deve-se aplicar a mesma razão de decidir (ubi eadem legis ratio ibi
eadem dispositio).
c) P de contratos atualmente vigentes ou futuros.
A terceira medida excepcional
prevista na Medida Provisória nº 1.221/2024 é autorização para que os órgãos e
entidades da Administração Pública nas áreas atingidas pela situação de
calamidade possam prorrogar os seus contratos para além dos prazos
originalmente estabelecidos na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 ou na Lei
nº 14.133, de 2021. Esta extensão, unilateral, poderá se dar por, no máximo, mais
12 (doze) meses, contados da data de encerramento previsto para o contrato.
Esta regra se aplica somente aos
contratos que estiverem vigentes na data de publicação do respectivo ato
autorizativo indicado no inciso II do § 1º do art. 1º da Medida Provisória nº 1.221/204,
inclusive aqueles regulados ainda pela Lei nº 8.666/93.
d) Ampliação
do aceite de contrato verbal.
Em
situações de normalidade, a Lei nº 14.133/2021 prevê uma situação de exceção em
relação à regra do contrato público ser formalizado por escrito inserida no §
2º do art. 95. Neste dispositivo é admitido à Administração Pública firmar
contratos verbais, desde que o seu valor não supere a quantia de R$ 10.000,00.
Agora,
em situações de anormalidade, como ocorre em situações de calamidade pública,
serão admitidos contratos verbais desde que o seu valor não seja superior a R$
100.000,00 (cem mil reais), nas hipóteses em que a urgência não permitir a
formalização do instrumento contratual. A realização destas despesas deverá ser
regulada pelo órgão ou entidade, e recomenda-se a utilização do sistema de
suprimento de fundos especialmente concedido para estas finalidades
excepcionais.
e) Sistema de
Registro de Preços em regime especial
Em
situações de anormalidade, o Sistema de Registro de Preços poderá ser utilizado
de forma bem diferenciada, adotando-se o regime especial previsto na Medida
Provisória nº 1.221/2024, que traz alterações relevantes ao modelo tradicional
previsto na Lei nº 14.133/2021 para a aquisição de bens e na contratação de
obras e serviços, inclusive de engenharia.
É
altamente recomendável que os órgãos e entidades possuam minutas padronizadas
de licitações e contratos para utilização nestas situações de anormalidade, a
fim de auxiliarem os agentes de contratações nos momentos de urgência.
As
principais alterações estão:
- no prazo que
o órgão ou entidade gerenciadora deverá abrir quando o registro de preços
envolver mais de um órgão ou entidade, para permitir que outros órgãos e
entidades manifestem interesse em participar do registro, através da formalização
da intenção de registro de preços, que poderá ser de 2 a 8 dias úteis (art. 8º),
conforme discricionariedade do órgão ou entidade gerenciadora;
- na utilização do SRP nas contratações diretas
para apenas um órgão ou entidade;
- na possibilidade de o órgão ou entidade pública
federal aderir à ata de registro de preços:
- de órgão ou entidade gerenciadora
do Estado, do Distrito Federal ou dos Municípios atingidos, ou
- de
órgão ou entidade do Estado à ata de registro de preços de órgão ou entidade
gerenciadora dos Municípios atingidos (art. 7º).
Entretanto, a adesão somente será
admitida nos casos em que o objeto da contratação estiver vinculado ao
enfrentamento das consequências decorrentes do estado de calamidade pública
previsto no art. 1º da Medida Provisória nº 1.221/2024.
SRP nas contratações diretas para um ou mais órgãos
O sistema de registro de preços
poderá ser adotado para a contratação direta de obras e serviços de engenharia,
desde que presentes as condições previstas no art. 85 da Lei nº 14.133, de
2021, inclusive por apenas um órgão ou entidade. Isto é, devem ser demonstrados
o atendimento aos seguintes requisitos:
- existência de projeto padronizado,
sem complexidade técnica e operacional e,
- a necessidade
permanente ou frequente de obra ou serviço a ser contratado.
Pesquisa de preços para avaliar a compatibilidade
dos preços registrados
Uma regra especial acerca da atuação
responsável encontra-se prevista no art. 9º da Medida Provisória nº 1.221/2024,
que impõe o dever de o órgão ou entidade antes da efetiva contratação, quando decorrido
o prazo de trinta dias, contado da data de assinatura da ata de registro de
preços, verificar se os preços registrados permanecem compatíveis com os
praticados no mercado, promovendo uma nova pesquisa de preços.
A depender do resultado, havendo
alterações para mais ou para menos, caberá a Administração Pública promover o
reequilíbrio econômico-financeiro.
Portanto, os preços registrados a
mais de 30 dias, nos casos de situações de anormalidade poderão ser
modificados.
Adesão em ARP sem indicação de quantitativos
máximos.
Uma outra regra modificada em tempos
de anormalidade (calamidade pública) é a prevista no § 3º do art. 82 da Lei nº
14.133, de 2021, em que se admite como exceção a realização do Sistema de
Registro de Preços sem a necessidade de indicação dos quantitativos que
pretende a Administração contratar, admitindo a apenas menção quanto as
unidades de contratação que serão utilizadas, bem como o
valor máximo da despesa que se dispõe a contratar, quando: a) for a
primeira licitação do objeto e o órgão ou entidade não tiver registro de
demandas anteriores; b) tratar-se de aquisição de alimentos perecíveis, ou
ainda, c) quando se tratar de
contratação de serviço integrado ao fornecimento de bens.
Em todos estes casos, em situações de
normalidade, é veda a participação de outro órgão ou
entidade na ata de registro de preços.
Pois, em tempo de anormalidade, esta
última medida restritiva é retirada, de modo que será
permitida a participação de outros órgãos ou entidades nas atas de registro de
preço naquelas hipóteses, inclusive em relação às obras e aos serviços de
engenharia.
Entretanto,
a obrigatoriedade em relação a indicação do valor máximo da despesa continua
valendo, mesmo em tempos de calamidade (art. 10 da MP), pois mesmo em tempos de
urgência, a responsabilidade fiscal é medida a ser observada.
Quantitativo máximo a ser admitido em adesões.
Modificou-se também a regra relativa
aos limites quantitativos admitidos no Sistema de Registro de Preços da Lei nº 14.133/2021
para a totalidade das adesões permitidas.
Em
tempo de normalidade, o quantitativo
resultante das adesões à ata de registro de preços não
poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado
na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes,
independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem. Já
nos casos de calamidade pública de que trata a Medida Provisória n. 1.221/2024,
este quantitativo não poderá exceder, na totalidade, a cinco vezes.
Além
desta ampliação (de 2 para 5 vezes), nos registros de preços gerenciados pela
Central de Compras da Secretaria de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e
da Inovação em Serviços Públicos, para atendimentos às situações de calamidade
pública previstas na Medida Provisória nº 1.221/2024, estes limites não se
aplicam, nem os previstos nos § 4º e § 5º do art. 86 da Lei nº 14.133, de 2021
(art. 11).
f) Simplificação
da fase preparatória
Os processos de contratações visando
a aquisição de bens, obras e serviços comuns, inclusive de engenharia,
destinados ao enfrentamento de impactos decorrentes de estado de calamidade
pública regulada pela Medida Provisória n. 1.221/2024, poderão ter a fase
preparatória simplificada.
Nestes
casos, será dispensada a elaboração de estudos técnicos preliminares; o
gerenciamento de riscos da contratação será exigível somente durante a gestão
do contrato; e será admitida a apresentação simplificada de termo de
referência, de anteprojeto ou de projeto básico, devendo conter:
- a declaração do objeto;
-
a fundamentação simplificada da contratação;
-
a descrição resumida da solução apresentada;
-
os requisitos da contratação;
-
os critérios de medição e de pagamento;
-
a estimativa de preços obtida por meio de, no mínimo, um dos seguintes
parâmetros:
o
composição de custos unitários menores ou iguais à
mediana do item correspondente nos sistemas oficiais de Governo;
o
contratações similares feitas pela administração
pública;
o
utilização de dados de pesquisa publicada em mídia
especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder
Executivo e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo;
o
pesquisa realizada com os potenciais fornecedores;
ou
o
pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas;
e
- a adequação orçamentária.
Basicamente,
as mesmas regras já exigidas durante o enfrentamento da pandemia covid-19,
prevista nas Medidas Provisórias n. 1.026/2021 (art. 6º, § 1º) e 1.047/2021
(art. 8º, III, § 1º), ressalvada a possibilidade de pesquisa na ainda
desconhecida base nacional de notas fiscais eletrônicas.
A
avaliação dos custos para fins de estimativa da contratação dever ser obtido
preferencialmente a partir das composições dos custos unitários menores ou
iguais à média de seus correspondentes custos unitários de referência do
Sistema de Custos Referenciais de Obras - Sicro, para serviços e obras de
infraestrutura de transportes, ou do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e
Índices de Construção Civil- Sinapi, para as demais obras e serviços de
engenharia.
A Medida
Provisória n.1.221/2024 não dispensou a justificativa
da autoridade competente quanto a estimativa de preços, entretanto reconhece
que em situações de calamidade os preços poderão estar em descompasso com os
preços praticados ou registrados em tempos de normalidade. Nestes casos, a
Administração poderá contratar com valores superiores quando decorrentes de
oscilações ocasionadas pela variação de preços, desde que observadas as
seguintes condições: primeiro, deve-se buscar e comprovar nos autos a tentativa
de negociar previamente com os demais fornecedores, segundo a ordem de
classificação, para obtenção de condições mais vantajosas; segundo, deve o
gestor demonstrar nos autos do processo administrativo da contratação
correspondente, a variação de preços praticados no mercado por motivo
superveniente a ocorrência dos fatos que justificaram o reconhecimento da
situação de calamidade.
A
situação de calamidade não é justificativa para se contratar com sobrepreço,
muito menos com superfaturamento, mas se reconhece uma situação observada em
todo o mundo, em tempos de dificuldade, sempre haverá aqueles que buscarão
otimizar seus lucros em detrimento da felicidade dos demais membros da
sociedade[2].
g)
Habilitação simplificada
Os requisitos de habilitação relativa
às regularidades fiscal e econômico-financeira poderão ser dispensados pela autoridade
competente, excepcionalmente e mediante justificativa, nos casos em que,
comprovadamente, haver restrição de fornecedores ou de prestadores de serviço,
assim como os requisitos de habilitação jurídica e técnica poderão ser
limitados ao estritamente necessário à execução do objeto contratual adequada,
regra aliás que nem poderia ser diferente, frente ao disposto no art. 37, inc.
XXI da CF/88.
E,
ainda, nos casos em que, comprovadamente, haver apenas um fornecedor ou
prestador de serviço, portanto, situação de inexigibilidade de licitação (art.
74 da Lei n. 14.133/2021), será possível a sua contratação, independentemente
da existência de sanção de impedimento ou de suspensão de contratar com o Poder
Público. Porém, neste caso, será obrigatória a prestação de garantia nas
modalidades de que trata o art. 96 da Lei nº 14.133, de 2021, limitado a 10% (dez
por cento) do valor do contrato.
h)
Publicação das contratações em tempos de calamidade
O
prazo para publicação de todas as aquisições ou contratações realizadas com
fundamento na Medida Provisória nº 1.221/2024 foi ampliado, de modo que estas
deverão ser disponibilizadas, no prazo de sessenta dias, contado da data da
aquisição ou da contratação, no Portal Nacional de Contratações Públicas.
As
informações que serão disponibilizadas no PNCP deverão conter:
- o nome da empresa contratada e o
número de sua inscrição na Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do
Ministério da Fazenda ou o identificador congênere no caso de empresa
estrangeira que não funcione no País;
- o prazo contratual, o valor e o
respectivo processo de aquisição ou de contratação;
- o ato autorizativo da contratação
direta ou o extrato decorrente do contrato;
- a discriminação do bem adquirido ou
do serviço contratado e o local de entrega ou de prestação do serviço;
- o valor global do contrato, as
parcelas do objeto, os montantes pagos e, caso exista, o saldo disponível ou
bloqueado;
-
as informações sobre eventuais aditivos contratuais;
- a quantidade entregue ou prestada
durante a execução do contrato, nas contratações de bens e serviços, inclusive
de engenharia; e
- as atas de registros de preços das
quais a contratação se originou, se for o caso.
Estas
publicações deverão indicar expressamente que a aquisição ou a contratação foi
realizada com fundamento na Medida Provisória nº 1.221/2024 para facilitar o
acompanhamento e controle dos atos praticados neste período excepcional.
i)
Acréscimos e supressões no objeto do contrato.
Em
situações de normalidade, o contratado está obrigado a aceitar nas alterações
unilaterais, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões de
até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato que
se fizerem nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso de reforma de
edifício ou de equipamento, o limite para os acréscimos será de 50% (cinquenta
por cento).
Nas
contratações firmadas com fundamento na Medida Provisória nº 1.221/2024 a Administração
Pública poderá prever cláusula que estabeleça a obrigação dos contratados de
aceitar, nas mesmas condições contratuais iniciais, acréscimos ou supressões ao
objeto contratado, limitados a 50% (cinquenta por cento) do valor inicial
atualizado do contrato.
Uma
regra para lá de duvidosa, sob ponto de vista da economicidade,
proporcionalidade e razoabilidade, é aquela que prevê para os contratos em
execução na data de publicação do ato autorizativo específico de que trata o
inciso II do § 1º do art. 1º da Medida Provisória nº 1.221/2024, a possibilidade
de serem alterados para enfrentamento das situações de calamidade, havendo
portanto, um desvio de finalidade ou de sua aplicação, que poderá inclusive ter
consequências em relação aos aspectos orçamentários do órgão ou entidade contratada.
Para
além desta possível polêmica, o fato é que a Medida Provisória n. 1.221/2024
exigiu a necessidade de o gestor apresentar a devida justificativa para esta
alteração, exigindo-se a prévia concordância do contratado e desde que não
transfigure o objeto da contratação.
Neste caso, poderão ser admitidas alterações
em percentual superior aos limites previstos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93,
ou no art. 125 da Lei nº 14.133/ 2021, limitado o acréscimo a 100% (cem por
cento) do valor inicialmente pactuado.
j)
Prazo de duração e prorrogação dos contratos urgentes
Os
contratos firmados com fundamento na Medida Provisória nº 1.221/2024 poderão
ter prazo de duração de até um ano, prorrogável por igual período, desde que as
condições e os preços permaneçam vantajosos para a administração pública, e enquanto
perdurar a necessidade de enfrentamento da situação de calamidade pública que
serviu de fundamento.
Note-se
que a Medida Provisória não limitou a apenas uma prorrogação de 1 (um) ano.
Assim, mantendo-se necessária as ações para o enfrentamento da calamidade,
desde que justificadamente, nada impede que o contrato possa ser prorrogado
novamente, inclusive com a mesma empresa que já contratada.
Em
relação aos contratos de obras e serviços de engenharia com escopo predefinido
(construção de uma ponte, por exemplo), o prazo de conclusão do objeto
contratual será de, no máximo, três anos, sendo admitida automaticamente a sua prorrogação
quando seu objeto não for concluído no período firmado no contrato, aplicando-se
as regras do art. 111 da Lei nº 14.133/2021.
k) Suspensão de prazos processuais
Por
fim, o art. 20 da Medida Provisória nº 1.221/2024 permite que o Poder Executivo
federal possa suspender prazos processuais e prescricionais relativos a
processos administrativos sancionadores em curso no âmbito da administração
pública federal, em razão do estado de calamidade pública no Estado do Rio
Grande do Sul, até o limite do prazo previsto no Decreto Legislativo nº 36, de
2024.
3. Conclusão
As
alterações promovidas pela Medida Provisória nº 1.221/2024 auxiliarão na
solução e oportunizarão respostas mais ágeis às demandas excepcionais que
escapam ao regular planejamento das contratações exigidos e necessários em
tempos de normalidade.
As
contratações devem ser realizadas com eficiência e eficácia, otimizando os
recursos públicos, mas sempre voltado para o atendimento às necessidades da
sociedade, especialmente nos momentos mais sensíveis como nos casos de
calamidade pública. O Poder Público deve agir com rapidez na busca das soluções
que estiver ao seu alcance.
As
lições trazidas pelas alterações legislativas no período da pandemia covid-19
já servirão de laboratório para que o legislador, de fato, modernizasse a Lei
de Licitações. Quando da aprovação da Lei n. 14.133/2021 muito desses
conhecimentos já estavam sendo testados e deveriam ter sido considerados quando
da sua discussão e aprovação pelo Congresso Nacional.
Agora
é hora de amadurecer a ideia de combate à morosidade do processo de contratação
pública brasileira, e incorporar, de uma vez por todas, regras destinadas às
contratações em situações de emergência e calamidade pública, que o inc. VIII
do art. 74 da Lei n. 14.133/2021, aliado ao extenso rol de pré-requisitos
exigidos para a contratação impede a atuação dos órgãos e entidades voltados
para o atendimento ao sistema de proteção e defesa civil de forma mais
consentânea e atual possível com a necessidade da sociedade, sobretudo, aquela
que mais precisa do apoio do setor público, e conta, muitas vezes, somente com
a colaboração e doações da sociedade civil.
O
Brasil precisa discutir estas contratações excepcionais, o seu planejamento de
atuação e a forma de distribuição dos bens e organização dos serviços em
períodos de anormalidade social, tais como estas que estamos a nos acostumando,
lamentavelmente, a ver, apáticos, como se nada mais pudesse ser feito para não
só socorrer os desabrigados, mas para evitar que tragédias como a que está
ocorrendo em diversas localidades do país, especialmente no Estado do Rio
Grande do Sul, voltem a se repetir com tamanha frequência.
[1]
Disponível em https://www.tcesc.tc.br/sites/default/files/Emergencia_e_calamidade_publica_Atualizado.pdf.
Acesso em 18 de maio de 2024.
[2] Famoso
o caso de 2004 quando com a passagem do furacão Charley no Golfo do México, que
varreu o Estado da Flórida nos Estados Unidos, matando 22 pessoas e causando
prejuízos na casa dos 11 bilhões de dólares, vários lojistas aproveitaram a
oportunidade para elevar os preços dos bens e serviços na região. Este tema foi
objeto de análise na obra de Michael J. Sandel, Justiça: o que é fazer a coisa
certa. 38ª rd., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2023.