Vale-alimentação no TCESC
1. Contextualização do Processo
O Procedimento Apuratório Preliminar (PAP) nº 24/80078234 foi instaurado a partir de uma denúncia da empresa Mega Vale Administradora de Cartões e Serviços Ltda., representada pelo advogado Rafael Prudente Carvalho Silva, questionando supostas irregularidades no Pregão Eletrônico nº 23/2024 da Prefeitura Municipal de Presidente Castello Branco. O objeto do certame era a contratação de empresa para a administração e fornecimento de cartões de vale-alimentação eletrônico/magnético destinados aos servidores municipais.
A empresa alegou que o edital continha cláusulas abusivas e restritivas à competitividade, com destaque para a vedação da taxa de administração negativa, o que, segundo a denúncia, inviabilizava uma disputa justa e impedia a obtenção da melhor proposta para o município.
2. Posição da Diretoria Técnica (DLC)
A Diretoria de Licitações e Contratações (DLC) analisou o caso e elaborou o Relatório DLC nº 943/2024, no qual concluiu que:
- Os critérios de seletividade e admissibilidade foram atendidos, conforme Portaria TC-156/2021 e matriz de Risco, Oportunidade, Materialidade e Relevância (RROMa).
- O PAP deveria ser convertido em Representação, para dar continuidade ao exame das alegações da empresa.
- Não foi concedida a medida cautelar para suspensão do certame, pois:
- Não havia probabilidade de direito que justificasse a paralisação.
- Havia periculum in mora reverso, ou seja, um risco maior de prejuízo ao município caso a licitação fosse interrompida.
- A fixação da taxa máxima ou mínima prevista no edital não contrariava a Lei 14.133/2021.
- Determinou-se o arquivamento dos autos, pois, no mérito, a representação foi julgada improcedente.
3. Decisão Singular GAC/AMF nº 822/2024 (Relator: Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior)
A Decisão Singular do relator seguiu os encaminhamentos da DLC, confirmando a não concessão da medida cautelar e determinando:
- A conversão do PAP em Representação, conforme exigência processual.
- A rejeição da denúncia quanto à limitação da taxa de administração negativa, com base na legalidade da cláusula e na inexistência de restrição à competitividade.
- O arquivamento da representação.
- A remessa do caso ao Ministério Público de Contas (MPC) para manifestação.
- A notificação dos interessados.
O Ministério Público de Contas confirmou a improcedência da denúncia e acompanhou o entendimento técnico.
4. Discussão sobre a Taxa de Administração Negativa
O ponto central do debate é a possibilidade de vedação da taxa negativa de administração em licitações para fornecimento de vale-alimentação. O entendimento do TCE-SC sobre a matéria não é uniforme, sendo necessário um aprofundamento da análise:
4.1. Posicionamento Contrário à Vedação da Taxa Negativa
- Há precedentes do TCE-SC que rejeitam a vedação da taxa negativa, por considerarem que ela fere os princípios da competitividade e da obtenção da proposta mais vantajosa.
- A taxa negativa permite uma disputa mais acirrada, reduzindo custos para a administração.
- Decisões anteriores determinaram a anulação de editais que proibiam a taxa negativa, sob o argumento de que isso restringiria a livre concorrência.
4.2. Posicionamento Favorável à Vedação da Taxa Negativa
- A Lei 14.442/2022 e o Decreto 10.854/2021 vedam a prática de taxa negativa no contexto do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).
- Algumas decisões do TCE-SC entendem que esse regramento não se aplica a entes públicos, enquanto outras defendem que a vedação deve valer para todas as contratações.
- O argumento contra a taxa negativa é que ela pode gerar um efeito prejudicial aos servidores, pois os custos são repassados aos estabelecimentos credenciados, que acabam aumentando os preços.
4.3. Conflito Normativo e a Necessidade de Uniformização
- O TCE-SC ainda não consolidou um entendimento definitivo sobre o tema, havendo divergências entre os conselheiros.
- Para resolver essa questão, o relator determinou o retorno dos autos à fase de instrução, para aprofundar a análise dos critérios adotados em outras contratações similares.
- O estudo técnico solicitado busca avaliar vantagens e desvantagens dos diferentes modelos de pagamento de auxílio-alimentação (por cartão eletrônico ou diretamente em folha de pagamento), além da incidência ou não da proibição da taxa negativa nos entes públicos.
5. Encaminhamentos Determinados pelo Relator
- Conversão do PAP em Representação (REP) para aprofundamento da análise.
- Retorno dos autos para nova instrução técnica, com estudo sobre:
- Quantidade de municípios que adotam licitação para fornecimento de vale-alimentação por cartão.
- Modelos de disputa usados (vedação ou não de taxa negativa, estipulação de limite de taxa, critérios de desempate).
- Impactos da adoção ou não da taxa negativa no comércio local e nos servidores.
- Possibilidade de interferência estatal na relação entre a empresa administradora e os estabelecimentos credenciados.
- Análise comparativa de decisões anteriores do Tribunal para uniformização de jurisprudência.
- Dar ciência à empresa denunciante e à Unidade Gestora.
6. Conclusão
A decisão do relator não julgou o mérito da questão de forma definitiva, mas determinou o aprofundamento da análise técnica para avaliar:
- A eficiência do modelo de contratação via cartão.
- A compatibilidade da vedação da taxa negativa com o ordenamento jurídico.
- O impacto financeiro e social da escolha do modelo de pagamento do auxílio-alimentação.
Essa abordagem indica uma preocupação do Tribunal em unificar seu entendimento sobre o tema, considerando que a matéria já foi decidida de formas diferentes em processos anteriores.
Dessa forma, a decisão adiou um desfecho definitivo, optando por uma instrução mais detalhada, antes de estabelecer um posicionamento uniforme e vinculante sobre a questão.
7. Perspectivas Futuras
Com a nova análise técnica, espera-se que o TCE-SC:
- Defina se a vedação da taxa negativa pode ser mantida nos editais de licitação.
- Esclareça se os entes públicos estão sujeitos às mesmas regras da Lei 14.442/2022 e do Decreto 10.854/2021.
- Avalie alternativas mais eficientes para a concessão do auxílio-alimentação (por exemplo, pagamento em folha de salário).
Se o estudo indicar vantagens da taxa negativa para a administração pública, é provável que o TCE-SC determine a anulação de editais que proíbem sua aplicação. Caso contrário, o Tribunal pode consolidar um entendimento favorável à restrição da taxa negativa, seguindo a lógica da legislação trabalhista vigente.
8. Síntese Final
- A denúncia sobre a limitação da taxa negativa foi rejeitada no momento, mas o caso ainda não foi encerrado.
- O Tribunal optou por aprofundar a análise técnica, antes de tomar uma decisão definitiva sobre o tema.
- A expectativa é que, com base no estudo solicitado, o TCE-SC padronize seu entendimento sobre a legalidade ou não da vedação da taxa negativa em licitações para fornecimento de vale-alimentação.
Essa decisão pode ter impacto relevante para diversas prefeituras e fornecedores de cartões de alimentação, estabelecendo diretrizes mais claras para futuras contratações públicas desse tipo.