O DEVER DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CUMPRIR AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS E A RESPONSABILIDADE DO GESTOR NO CASO DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL PERANTE O TRIBUNAL DE CONTAS.

CONGRESSO DA OAB/SC - Apresentação em 28 de agosto de 2024.

Sandro Luiz Nunes


1 - Introdução

 

          Neste texto adotarei como premissa o fato de que as licitações e contratações públicas devem buscar a estabilidade das relações entre a iniciativa privada e o Poder Público tendentes a identificar a necessidade pública, a solução mais adequada, a proposta que melhor represente o equilíbrio entre a necessidade e a solução, identificada na lei como sendo a que promete o melhor resultado para a contratação.

Importa para nossa análise o estudo do contrato administrativo enquanto instrumento que alveja estabelecer as bases para conferir maior segurança jurídica à todos os envolvidos.

Todo contrato administrativo possui sustentação nos princípios da confiança ( responsabilidade, transparência).

Como premissa, parto da noção de que há um dever imposto a todas as partes envolvidas de respeitarem o contrato, afinal, é conhecido o adágio de que “o contrato faz lei entre as partes”.

                Então, podemos afirmar que o contrato somente poderá existir se houver uma plena confiança entre as partes.

                Confiança envolve mais que uma simples crença de que algo poderá ocorrer sem ter a certeza de que ocorrerá de fato.

Podemos reconhecer que, na prática, os contratos envolvem em um atuar positivo. Positivo, temos o reconhecimento da lealdade, boa-fé, transparência e responsabilidade.

Mas, também há condutas negativas, por exemplo, causar danos  à outra parte, negar informações relevantes para a execução do contrato, é negar prestar ou receber do objeto do contrato, e, ainda, é negar efetuar o pagamento devido ao contratado.

                Em todo contrato as partes devem respeitar e seguir o que foi estipulado no instrumento contratual.

               

                Vamos lembrar que nem os agentes públicos, nem os particulares, se dispõe a licitar e contratar apenas por espírito de emulação. O particular não deseja disputar um contrato público apenas pelo prazer de participar de uma competição e dizer para seus amigos que venceu a licitação.

               Podemos afirmar que todo contrato envolve um conjunto de direitos e obrigações desde os mais simples aos mais sofisticados modelos.

               Vou aqui centrar minha análise em apenas uma pequena faceta do contrato.

                Refiro-me ao dever de a Administração Pública efetuar o pagamento aos contratados, o que nos parece de uma singular compreensão. E beiraria ao absurdo se assim não fosse.

                Todo contrato administrativo disciplinado pela Lei n. 14.133 deve conter uma cláusula dispondo sobre o preço e as condições de pagamento.

                Mesmo sendo obrigatória tal cláusula, acontece que a lei é desconfiada, e não acredita na virtude dos agentes públicos que devem pautar suas ações com base nos princípios da isonomia e da moralidade.

                Somente estes dois princípios seriam suficientes para evitar a necessidade de a lei impor, formalmente, o dever de efetuar o pagamento pela Administração Pública, e muito menos, para impor, sob pena de responsabilidade, portanto, obrigatória, a obediência a uma ordem objetiva para a realização dos pagamentos.

 

                Por pagamento, consideramos o cumprimento voluntário de uma determinada espécie de obrigação assumida voluntariamente pelo ente público. No âmbito dos contratos administrativos basicamente é a entrega de soma de dinheiro ao contratado.

               

 

2. Desenvolvimento

 

                O respeito aos contratos é fundamental para que a sociedade e os agentes econômicos confiem na Administração e para que todo o sistema de contratações públicas possa alcançar a proposta que possa traz o melhor resultado para a Administração, em termos de eficiência, eficácia e economicidade (um dos objetivos previstos no art. 11 da Lei n. 14.133/2021).

                Todo o processo de seleção tem a intensão de alinhar os interesses da Administração Pública e os dos particulares contratados para o estabelecimento de uma relação jurídica de natureza contratual.

Se a Administração deseja construir uma escola, comprar um veículo, um medicamento, o particular, deseja receber o pagamento pelos serviços prestados, pelo fornecimento realizado.

Há uma troca patrimonial e o contrato estabelece os direitos e as obrigações que devem ser cumpridas pelas partes.

A Administração Pública se utiliza dos contratos públicos para dar conta de atender as demandas exigidas pela sociedade que a mantém com o suporte tributário, contratando bens, serviços, obras, e uma variedade infinita de objetos que julga necessária.

 Ideia de república está fundada na busca do bem público, que representa muito mais que a mera soma dos interesses privados.

O cumprimento dos compromissos assumidos pelas partes (pública e privada) são consideradas de essenciais, fundamentais, que mantém um dos pilares da vida em sociedade: a confiança.

                Quando nós cruzamos as esquinas com sinais verdes, nós confiamos que os demais veículos e pedestres não cruzarão o nosso caminho. Quando você trabalha, você confia que o empregador irá lhe pagar a remuneração acordada anteriormente. Quando você compra um produto pela internet, você confia que o fornecedor e o transportador irão cumprir o contrato de compra e venda e o de transporte. Assim, é a vida, cheia de expectativas sobre o comportamento alheio, regradas pelos contratos.

 

Mas eu disse, antes, que a lei não confia na virtude pública do gestor. E assim, a Lei n. 14.133/2021 conferiu aos órgãos de controle interno e externo a defesa do interesse público.

Ao contrário do que alguns tem afirmado em julgamentos perante os órgãos de controle, a defesa do cumprimento dos contratos, especialmente quanto ao seu efetivo adimplemento pelas partes, em relação ao pagamento devido pela Administração Pública, em especial, é matéria de relevante interesse público.

    Nos contratos públicos, o dever de efetuar o adimplemento por meio do pagamento ajustado no instrumento contratual constitui uma das obrigações fundamentais do Poder Público.

Quando o contratado afirma que cumpriu o contrato e que a Administração está ilegalmente em mora quanto ao pagamento, ela não está defendendo apenas um mero interesse econômico, privado, ela está afirmando que determinado agente da Administração Pública está atentando contra o interesse público, contra a lei, contra os princípios da administração que asseguram o respeito à isonomia, à moralidade, à legalidade,  à segurança jurídica, à eficiência, que está pondo em risco não só a sobrevivência da empresa, mas dos empregos, pondo em risco a economia. E isso traz uma série de prejuízos ao mundo das licitações e contratações. Isso causa rupturas profundas nas relações entre público-privado, eleva os preços (risco licitação), reduz o número de competidores, sem contar que oferece a chance para que agentes corruptos, gananciosos, busquem obter vantagens indevidas.

 

 

                Mas em que momento, o contratado passa a ter direito a ter o seu nome da lista para pagamento?

                - A partir do momento da liquidação[1], as despesas contraídas, ainda que inscritas em restos a pagar, atendendo ao disposto no art. 36 da Lei Federal nº 4.320/64, resultam em compromisso de pagamento assumido pelo ente, gerando ao credor direito à contraprestação pecuniária. 

O que significar liquidar a despesa?

 Significa o momento em que o órgão ou entidade da Administração Pública contratante verifica e atesta que o contratado cumpriu com as suas obrigações, ou seja, que prestou o serviço ou forneceu o bem, a obra, de acordo com o que foi alinhado no contrato.

A liquidação da despesa é regulada pelas normas de Direito Financeiro, em especial os art. 62 e 63 da Lei n. 4.320/64.[2] Norma bem antiga e amplamente conhecida na Administração.

Uma vez atestado que o contratado cumpriu integralmente com suas obrigações, surge o direito ao recebimento do valor estipulado no contrato. Assim, ao mesmo tempo, surge para a Administração Pública contratante o dever de efetuar o pagamento, no prazo fixado no contrato, na lei ou em regulamento.

É importante, atermos à data da liquidação da despesa e ao prazo estabelecido para a realização do respectivo pagamento, pois não é somente a data da liquidação que vale. Após isso, há um prazo para a Administração pagar.

 

Somente após escoado este prazo, o contratado então passa a ter direito à prioridade para  pagamento

 

É bom que se diga que esta obrigação assumida pela Administração Pública não representa, para o gestor público, apenas uma recomendação, um conselho, uma espécie de aviso, mas sim, evidencia um dever funcional atribuído a uma determinada autoridade competente local, chamada de ordenador de despesa, que está sujeito a responsabilização interna e externa.

                Deixar de pagar a despesa pública no prazo convencionado é falta funcional grave, que abala o interesse público manifestado na manutenção da segurança jurídica e na confiança nas instituições públicas que devem buscar no mercado os melhores parceiros para proteger e salvaguardar os interesses fundamentais de toda a sociedade através das contratações administrativas.

Portanto, estamos tratando de um dos pilares fundantes dos contratos, em especial, dos contratos administrativos.

Há um dever de pagar de acordo com a ordem como os fatos vão se desenvolvendo na atividade administrativa, ou seja, na medida em que as despesas vão sendo liquidadas.

 

Mas este dever comporta uma modulação.

 

Ao tempo em que a Lei n. 14.133/2021 estabeleceu o dever ao gestor público de cumprir a ordem dos pagamentos, ela também estabeleceu algumas situações bem específicas em que a ordem cronológica dos pagamentos poderá sofrer alteração.

Antes, com a Lei n. 8.666/93 a possibilidade de alteração da ordem ficava a critério de um juízo discricionário de maior amplitude.

Dizia a antiga Lei de Licitações que a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades poderia ser desconsiderada quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.

A expressão razões de interesse público é por demais ampla.

 

A Lei n. 14.133/2021 veio por ordem nisso, pois, como bem lembrou o professor Luciano Ferraz, durante a vigência da lei n. 8.666/93 “o abismo entre a previsão legal e a experiência foi enorme”.

A atual lei de licitações trouxe algumas regras importantes.

 

Primeiro, conferiu expressamente ao Controle Interno e ao Tribunal de Contas o dever de fiscalizar se os pagamentos estão sendo realizados de acordo com a ordem cronológica das exigibilidades, segundo cada fonte de recursos,

Segundo, fixou uma obrigação acessória para todos os órgãos e entidades contratantes: dar a devida publicidade em seus sítios eletrônicos. Ou seja, obrigatoriamente deve estar translúcido nas suas respectivas páginas na internet, a ordem estimada para os seus pagamentos, bem como as eventuais alterações com suas justificativas, devem estar publicadas.  A opacidade que vemos houve  não é admitida pela Lei n. 14.133/2021.

Quem aqui já localizou no site do seu município onde estão publicadas estas informações?

Com esta publicidade, toda a sociedade poderá fiscalizar os atos da administração em relação ao cumprimento de suas obrigações contratuais.

Verifica-se, para a observância da ordem de pagamentos, a necessidade de:

 

a)      Cada ente federativo, definir a metodologia que será adotada, tornando-a mais transparente à sociedade;

b)     Deve-se ainda, registrar as justificativas que ocasionaram quebra de ordem cronológica.

c)      Dar publicidade;

 

Este tema é simples na concepção, mas a sua execução pode demonstrar ser bem complexa, sem metodologia, sem um sistema eletrônico adequado de gestão.

                Portanto, entendo adequado:

-  o uso de sistema eletrônico de gestão para servir de apoio ao exercício da atividade de pagamento;

- a necessidade de estabelecer mecanismos internos de controle;

- a edição de ato normativo interno, estabelecendo as rotinas de pagamento a serem seguidas pelo órgão.

Os fiscais, os responsáveis pela gestão contratual, a autoridade, o responsável pela tesouraria, toda a cadeia administrativa deve conhecer suas funções, responsabilidades e prazos, para que o pagamento seja realizado a tempo.

 

                Eu mencionei que a Lei n. 14.133/2021 veio por ordem nesse tema.

 

                Então, agora não basta alegar que “por razões de interesse público” autorizo a modificação da ordem de pagamento para beneficiar X ou Y.

 

                A Lei de Licitações atual trouxe detalhadamente em seu art.  141, nos incisos I a V do seu § 1º as situações em que a ordem dos pagamentos poderá ser alterada temporariamente.

A Lei n. 14.133/2021 previu exclusivamente as seguintes situações taxativas que permitem a alteração da ordem cronológica:

a) grave perturbação da ordem, situação de emergência ou calamidade pública.

b) pagamento a microempresa, empresa de pequeno porte, agricultor familiar, produtor rural pessoa física, microempreendedor individual e sociedade cooperativa, desde que demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato[3];

c) pagamento de serviços necessários ao funcionamento dos sistemas estruturantes, desde que demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato;

d) pagamento de direitos oriundos de contratos em caso de falência, recuperação judicial ou dissolução da empresa contratada;

e) pagamento de contrato cujo objeto seja imprescindível para assegurar a integridade do patrimônio público ou para manter o funcionamento das atividades finalísticas do órgão ou entidade, quando demonstrado o risco de descontinuidade da prestação de serviço público de relevância ou o cumprimento da missão institucional.

                Assim, podemos constatar como são extremamente raros os casos em que a ordem cronológica dos pagamentos poderá ser validamente alterada.

Diferentemente da vaga, genérica, ampla, autorização constante no revogado art. 5º da Lei n. 8.666/93, que aludia a “razões de interesse público”, a Lei n. 14.133/2021 descreveu, taxativamente, quais seriam estas razões no § 1º do seu art. 141.

São cinco hipóteses em que a autoridade competente por autorizar o pagamento poderá promover ajustes na ordem de pagamentos, desde que, previamente apresente a justificativa para a inversão dos pagamentos.

         A Lei n. 14.133 e as demais leis que regem as contratações e finanças públicas exigem a responsabilidade fiscal do poder público. Não há espaço legal para o calote, para o estelionato institucionalizado para com os contratados.

                Antes de concluir, gostaria de destacar uma das coisas que reputo mais relevantes neste tema trazido pela Lei n. 14.133/2021.

                Os órgãos ou entidades públicas tem a obrigação de disponibilizar, mensalmente, em seção específica de acesso à informação em seu sítio na internet, a ordem cronológica de seus pagamentos, bem como as justificativas que fundamentarem a eventual alteração dessa ordem.

                E você, sabe onde encontrar estas informações no seu município?

  Por fim, faço um alerta para a necessidade de os entes federativos de regulamentarem, por exemplo:

- os prazos para recebimento provisório e definitivo do objeto (liquidação), para a autoridade expedir a autorização de pagamento, para a tesouraria cumprir a ordem.

                - a forma, prazo e condições de avaliação pelo Controle Interno;

- definir onde será feita a publicação (qual o endereço eletrônico correto);

- quem irá comunicar o tribunal de contas, qual o prazo para esta comunicação?

 

Acredito que seria necessário até mesmo aos Tribunais de Contas expedirem atos normativos para disciplinarem o tema, seja em relação a atuação dos entes jurisdicionados, seja como fará a própria instituição fará o tratamento das informações e como serão processadas, além de definir internamente a quem caberá a executar a fiscalização.

 

O dever de fiscalização do TCE

 

O § 1º do art. 141 da Lei n. 14.133/2021 impõe o dever de a autoridade competente comunicar aos órgãos de controle interno e externo, quando adotar a decisão de subverter a ordem natural dos pagamentos estabelecidos em cronograma, considerando as exigibilidades do adimplemento da obrigação de pagar imposta à unidade administrativa contratante, e em seu § 2º, expressamente determinou a estes órgãos de controle que realizem a fiscalização.

Talvez tenhamos que buscar uma solução adequada, pois a própria Lei n. 14.133/2021 estabeleceu em seu art. 170 que os órgãos de controle adotarão, na fiscalização dos atos previstos nesta Lei, critérios de oportunidade, materialidade, relevância e risco.

No âmbito do TCESC, por exemplo, foi instituído o Procedimento Apuratório Preliminar por meio da Resolução TC n. 165/2020, com a finalidade de racionalizar a sua atuação e as demandas de fiscalização não previstas no planejamento anual.

Há decisões diversas.

Recomendação

Decisões no TCE/SC

Pelo arquivamento e recomendação

 

 - @PAP 23/80138553 (Decisão n. 798/2024), optou-se pelo arquivamento do Procedimento Apuratório Preliminar devido ao não atendimento da pontuação mínima na análise da seletividade, conforme o art. 9º da Resolução n. TC-165/2020. Foi recomendado ao Município que observe a ordem cronológica de pagamento, obrigação estabelecida no art. 141 da Nova Lei de Licitações (Lei n. 14.133/21)

 

 

- @PAP 23/80130650 (DECISÃO SINGULAR: GCS/GSS - 612/2024), foi recomendado à Prefeitura Municipal de (XXX), representada pelo atual Prefeito Municipal, Sr. XXXXXX, que observe rigorosamente a ordem cronológica dos pagamentos da administração municipal, especialmente em conformidade com o novo regramento da Lei federal nº 14.133/2021, abrangendo os artigos 141 a 146.

 

- REP 1700188140 - Diante da identificação de uma ocorrência pontual de quebra da ordem cronológica, e considerando que o não pagamento da despesa restou justificado pela Unidade Gestora, a Representação é considerada improcedente, com recomendação para que a Unidade Gestora observe a ordem cronológica de pagamentos.

 

- @REP 16/00469555 - Considerou procedente a representação, mas dado o volume de recursos envolvidos na quebra (aproximadamente 41 mil reais), não aplicou sanção ao gestor e recomendou ao Fundo Municipal de Saúde, para que realize justificativa prévia e devidamente publicada, da autoridade competente, fundamentando quanto as razões de interesse público, caso haja necessidade da quebra da ordem cronológica das datas de exigibilidades dos pagamentos.

 

- @REP 1700070492 - Representação. Pagamento de despesas. Quebra de ordem cronológica. Não recorrência. Valores pouco expressivos. Recomendação.

 

Pagamento durante a investigação

 

- @PAP 23/80064681 (Decisão n.: 382/2024), o Tribunal optou por converter o Procedimento Apuratório Preliminar em processo de denúncia e determinou a audiência do responsável devido ao atraso no pagamento de fornecedor, sob pena de aplicação de multa.

 

          A Unidade técnica ponderou:  No entanto, uma vez quitado o débito, conforme comprovado nos presentes autos, fica caracterizada a ausência do interesse de agir deste Tribunal de Contas, não apenas em virtude da perda do objeto, mas também em função da materialidade e relevância das ações a serem realizadas por este órgão.

 

Multa ao gestor

@REP 18/00747923 - Aplicou multa

Mas em recurso o TC relevou as multas (considerou fato isolado).

 

RECURSO DE REEXAME. PAGAMENTOS. ORDEM CRONOLÓGICA DAS EXIGIBILIDADES. DESCUMPRIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA. AUSÊNCIA DE PRÉVIA JUSTIFICATIVA DAS RAZÕES DE INTERESSE PÚBLICO. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. DAR PROVIMENTO. No pagamento de suas obrigações, a Administração Pública deve obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, excetuadas as circunstâncias em que estejam presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente. É possível, no entanto, relevar a aplicação de penalidade quando perceptível que a restrição trata-se de fato isolado, não envolve valores expressivos, sendo até justificada ante a necessidade de quitação de outras despesas mais urgentes, hipótese   em que a irregularidade estaria limitada ao descumprimento do requisito formal de declarar por escrito, prévia e formalmente, os motivos para a quebra da ordem cronológica.

 

- @REP 1600428441

REPRESENTAÇÃO. VIOLAÇÃO À LEI. PENALIDADE DE MULTA. O pagamento de fornecedores com inobservância da estrita ordem cronológica das exigibilidades, sem relevantes razões de interesse público previamente justificadas e devidamente publicada pela autoridade administrativa, importa em violação ao art. 5º, da Lei de Licitações, sujeitando o gestor à pena de multa por grave infração à norma legal.

 

TCE pode mandar pagar determinado fornecedor?

 

                Além da possibilidade de sancionamento ao agente público, é pacífico no TCE a ideia de o processo de denúncia ou representação que tenha por objeto o descumprimento da ordem cronológica não serve para substituir o uso das vias judiciais, pois se compreende que o TCE não possui competência para determinar o pagamento dos créditos existentes contra a Fazenda Pública do Município.

Entende-se que não.

@REP 19/00871022

@ REP 1801235721

Observou o Relator a falta de interesse da sociedade catarinense no feito, “tal como alegou a representante ao final do seu pedido, uma vez que busca a defesa de seus direitos individuais como prestadora dos serviços ao ente público, ou seja, requer providências desta Casa para que a Unidade Gestora realize os pagamentos devidos”. 

“Embora a Secretaria Estadual de Saúde esteja no rol de jurisdicionados desta Casa e o contrato firmado entre as partes possa ser objeto de análise, conforme autoriza a Lei de Licitações, este Tribunal não pode ser acionado para o resguardo de direito privado, incumbindo esta medida ao Poder Judiciário”, enfatizou o Relator.

 

  Mas poderia estabelecer prazos para que a entidade adote as medidas necessárias para cumprir a Lei, amparado no art. 59, inc. IX da Constituição Estadual e no art. 1º, inc. XII da Lei Complementar n. 202/2000?

 

 

                Ainda que assim seja, entendo que uma vez caracterizada a ilegalidade em relação ao disposto no art. 141 da Lei n. 14.133/2021, é dever do órgão de controle não só responsabilizar o gestor (aplicar multa), caso estejam presentes todos os elementos necessários, e comunicar o fato ao MP/SC.

Entendo também é possível ao TCE assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da Lei, se verificada ilegalidade, tendo com fundamento o art. 59, inc. IX da Constituição Estadual e art. 1º, inc. XII da Lei Complementar n. 202/2000.

                Assim como o TCE não pode anular contrato, mas determina que o gestor o anule, entendemos que o TCE também poderia determinar que a Unidade Gestora adote as providências necessárias para restabelecer o dever de atender a estrita ordem cronológica das exigibilidades, assinando prazo para agir.

        O TCE todos os dias determina os gestores a adotarem as medidas corretivas necessárias ao exato cumprimento da lei, ou, se for o caso, para que promovam a anulação da licitação.

            O estelionato institucional, nas contratações públicas é inaceitável pelo ordenamento jurídico brasileiro, e não pode contar com a complacência dos órgãos de controle interno e externo, pois além de importar no descrédito da Administração e na elevação dos custos nas licitações (devido ao risco de que contratado não receber a contrapartida contratualmente), o não pagamento  no prazo ajustado representa uma janela de oportunidade para possíveis atos abusivos, conhecida popularmente pela expressão, “quer rir, tem que me fazer rir”, imortalizada no cinema brasileiro no filme Tropa de Elite.

Portanto, é de interesse público que a Administração Pública cumpra com as suas obrigações assumidas contratualmente, assim como que atue de todas as formas para mitigar qualquer oportunidade que possa flertar com possíveis ilícitos.

E o não cumprimento da ordem cronológica abre uma janela imensa para a prática de atos corruptivos, e assim, merece todo o empenho dos órgãos de controle para mantê-la fechada.

 

3. Conclusão

            Em suma, gostaríamos que cada um de vocês saísse hoje daqui com as informações:

Não há espaço para o calote nas contratações públicas, e os órgãos de controle devem trabalhar para não permitir a proliferação de atos ilegais que possam, ao tempo de causar danos à reputação da Administração Pública, também causem danos ao erário e que possibilite aos agentes mal intencionados uma oportunidade para a prática de atos ilegítimos.

 

 

 

 

 

Adequação orçamentária

Tanto é inaceitável que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000) já estabeleceu no seu art. 16, § 1º, inc. I  a necessidade de todo empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras somente serem autorizados se a despesa pública estiver adequada com a lei orçamentária anual, seja por meio de dotação específica e suficiente, seja por meio de crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício.

O 4º, inc. I do art. 16 da LRF estabeleceu que a comprovação da adequação orçamentária anual é uma condição prévia para o empenho e licitação. Portanto, uma vez licitada, empenhada e contratada e liquidada a despesa, não há motivos para a Administração deixar de adimplir a sua obrigação contratual, ressalvado os casos expressamente admitidos na Lei n. 14.133/2021.

               

 

 



[1] O TCE reconhece expressamente que a partir da liquidação da despesa, o contratado passa a ter o direito à contraprestação pecuniária, ou seja, o direito a receber o pagamento ajustado no contrato.

[2] Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.

 Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:

I - a origem e o objeto do que se deve pagar;

II - a importância exata a pagar; 

III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.

§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:

I - o contrato, ajuste ou acordo respectivo;

II - a nota de empenho;

III - os comprovantes da entrega do material ou da prestação efetiva do serviço.

 

[3] A Lei Complementar n. 46/2006 já previa em seu art. 46 o seguinte: Art. 46.  A microempresa e a empresa de pequeno porte titular de direitos creditórios decorrentes de empenhos liquidados por órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal e Município não pagos em até 30 (trinta) dias contados da data de liquidação poderão emitir cédula de crédito microempresarial. 

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