O DEVER DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CUMPRIR AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS E A RESPONSABILIDADE DO GESTOR NO CASO DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL PERANTE O TRIBUNAL DE CONTAS.
CONGRESSO DA OAB/SC - Apresentação em 28 de agosto de 2024.
Sandro Luiz Nunes
1 -
Introdução
Neste
texto adotarei como premissa o fato de que as licitações e contratações públicas
devem buscar a estabilidade das relações entre a iniciativa privada e o Poder
Público tendentes a identificar a necessidade pública, a solução mais adequada,
a proposta que melhor represente o equilíbrio entre a necessidade e a solução,
identificada na lei como sendo a que promete o melhor resultado para a
contratação.
Importa para nossa análise o estudo do contrato
administrativo enquanto instrumento que alveja estabelecer as bases para
conferir maior segurança jurídica à todos os envolvidos.
Todo contrato administrativo possui sustentação nos
princípios da confiança ( responsabilidade, transparência).
Como premissa, parto da noção de que há um dever imposto
a todas as partes envolvidas de respeitarem o contrato, afinal, é conhecido o
adágio de que “o contrato faz lei entre as partes”.
Então,
podemos afirmar que o contrato somente poderá existir se houver uma plena confiança
entre as partes.
Confiança envolve
mais que uma simples crença de que algo poderá ocorrer sem ter a certeza de que
ocorrerá de fato.
Podemos reconhecer que, na prática, os contratos
envolvem em um atuar positivo. Positivo, temos o reconhecimento da lealdade,
boa-fé, transparência e responsabilidade.
Mas, também há condutas negativas, por exemplo,
causar danos à outra parte, negar
informações relevantes para a execução do contrato, é negar prestar ou receber
do objeto do contrato, e, ainda, é negar efetuar o pagamento devido ao
contratado.
Em
todo contrato as partes devem respeitar e seguir o que foi estipulado no
instrumento contratual.
Vamos
lembrar que nem os agentes públicos, nem os particulares, se dispõe a licitar e
contratar apenas por espírito de emulação. O particular não deseja disputar um
contrato público apenas pelo prazer de participar de uma competição e dizer
para seus amigos que venceu a licitação.
Podemos
afirmar que todo contrato envolve um conjunto de direitos e obrigações desde os
mais simples aos mais sofisticados modelos.
Vou
aqui centrar minha análise em apenas uma pequena faceta do contrato.
Refiro-me
ao dever de a Administração Pública efetuar o pagamento aos contratados, o que
nos parece de uma singular compreensão. E beiraria ao absurdo se assim não
fosse.
Todo contrato
administrativo disciplinado pela Lei n. 14.133 deve conter uma cláusula
dispondo sobre o preço e as condições de pagamento.
Mesmo
sendo obrigatória tal cláusula, acontece que a lei é desconfiada, e não
acredita na virtude dos agentes públicos que devem pautar suas ações com base
nos princípios da isonomia e da moralidade.
Somente
estes dois princípios seriam suficientes para evitar a necessidade de a lei impor,
formalmente, o dever de efetuar o pagamento pela Administração Pública, e muito
menos, para impor, sob pena de responsabilidade, portanto, obrigatória, a
obediência a uma ordem objetiva para a realização dos pagamentos.
Por pagamento,
consideramos o cumprimento voluntário de uma determinada espécie de obrigação
assumida voluntariamente pelo ente público. No âmbito dos contratos
administrativos basicamente é a entrega de soma de dinheiro ao contratado.
2.
Desenvolvimento
O respeito aos
contratos é fundamental para que a sociedade e os agentes econômicos confiem na
Administração e para que todo o sistema de contratações públicas possa alcançar
a proposta que possa traz o melhor resultado para a Administração, em termos de
eficiência, eficácia e economicidade (um dos objetivos previstos no art. 11 da
Lei n. 14.133/2021).
Todo o processo de seleção tem a
intensão de alinhar os interesses da Administração Pública e os dos
particulares contratados para o estabelecimento de uma relação jurídica de
natureza contratual.
Se
a Administração deseja construir uma escola, comprar um veículo, um
medicamento, o particular, deseja receber o pagamento pelos serviços prestados,
pelo fornecimento realizado.
Há
uma troca patrimonial e o contrato estabelece os direitos e as obrigações que
devem ser cumpridas pelas partes.
A
Administração Pública se utiliza dos contratos públicos para dar conta de
atender as demandas exigidas pela sociedade que a mantém com o suporte
tributário, contratando bens, serviços, obras, e uma variedade infinita de
objetos que julga necessária.
Ideia de república está fundada na busca do
bem público, que representa muito mais que a mera soma dos interesses privados.
O
cumprimento dos compromissos assumidos pelas partes (pública e privada) são
consideradas de essenciais, fundamentais, que mantém um dos pilares da vida em
sociedade: a confiança.
Quando nós cruzamos as esquinas
com sinais verdes, nós confiamos que os demais veículos e pedestres não cruzarão
o nosso caminho. Quando você trabalha, você confia que o empregador irá lhe
pagar a remuneração acordada anteriormente. Quando você compra um produto pela
internet, você confia que o fornecedor e o transportador irão cumprir o
contrato de compra e venda e o de transporte. Assim, é a vida, cheia de
expectativas sobre o comportamento alheio, regradas pelos contratos.
Mas
eu disse, antes, que a lei não confia na virtude pública do gestor. E assim, a Lei
n. 14.133/2021 conferiu aos órgãos de controle interno e externo a defesa do
interesse público.
Ao
contrário do que alguns tem afirmado em julgamentos perante os órgãos de controle,
a defesa do cumprimento dos contratos, especialmente quanto ao seu efetivo
adimplemento pelas partes, em relação ao pagamento devido pela Administração
Pública, em especial, é matéria de relevante interesse público.
Nos contratos públicos, o dever
de efetuar o adimplemento por meio do pagamento ajustado no instrumento
contratual constitui uma das obrigações fundamentais do Poder Público.
Quando
o contratado afirma que cumpriu o contrato e que a Administração está ilegalmente
em mora quanto ao pagamento, ela não está defendendo apenas um mero interesse
econômico, privado, ela está afirmando que determinado agente da Administração
Pública está atentando contra o interesse público, contra a lei, contra os
princípios da administração que asseguram o respeito à isonomia, à moralidade,
à legalidade, à segurança jurídica, à
eficiência, que está pondo em risco não só a sobrevivência da empresa, mas dos
empregos, pondo em risco a economia. E isso traz uma série de prejuízos ao
mundo das licitações e contratações. Isso causa rupturas profundas nas relações
entre público-privado, eleva os preços (risco licitação), reduz o número de
competidores, sem contar que oferece a chance para que agentes corruptos,
gananciosos, busquem obter vantagens indevidas.
Mas
em que momento, o contratado passa a ter direito a ter o seu nome da lista para
pagamento?
- A
partir do momento da liquidação[1],
as despesas contraídas, ainda que inscritas em restos a pagar, atendendo ao
disposto no art. 36 da Lei Federal nº 4.320/64, resultam em compromisso de
pagamento assumido pelo ente, gerando ao credor direito à contraprestação
pecuniária.
O
que significar liquidar a despesa?
Significa o momento em que o órgão ou entidade
da Administração Pública contratante verifica e atesta que o contratado cumpriu
com as suas obrigações, ou seja, que prestou o serviço ou forneceu o bem, a
obra, de acordo com o que foi alinhado no contrato.
A
liquidação da despesa é regulada pelas normas de Direito Financeiro, em
especial os art. 62 e 63 da Lei n. 4.320/64.[2] Norma
bem antiga e amplamente conhecida na Administração.
Uma vez atestado que o
contratado cumpriu integralmente com suas obrigações, surge o direito ao
recebimento do valor estipulado no contrato. Assim, ao mesmo tempo, surge para
a Administração Pública contratante o dever de efetuar o pagamento, no prazo fixado
no contrato, na lei ou em regulamento.
É importante, atermos à data da liquidação da
despesa e ao prazo estabelecido para a realização do respectivo pagamento, pois
não é somente a data da liquidação que vale. Após isso, há um prazo para a
Administração pagar.
Somente
após escoado este prazo, o contratado então passa a ter direito à prioridade
para pagamento
É
bom que se diga que esta obrigação assumida pela Administração Pública não
representa, para o gestor público, apenas uma recomendação, um conselho, uma
espécie de aviso, mas sim, evidencia um dever funcional atribuído a uma
determinada autoridade competente local, chamada de ordenador de despesa, que
está sujeito a responsabilização interna e externa.
Deixar de pagar a despesa
pública no prazo convencionado é falta funcional grave, que abala o interesse
público manifestado na manutenção da segurança jurídica e na confiança nas
instituições públicas que devem buscar no mercado os melhores parceiros para
proteger e salvaguardar os interesses fundamentais de toda a sociedade através
das contratações administrativas.
Portanto,
estamos tratando de um dos pilares fundantes dos contratos, em especial, dos
contratos administrativos.
Há
um dever de pagar de acordo com a ordem como os fatos vão se desenvolvendo na
atividade administrativa, ou seja, na medida em que as despesas vão sendo
liquidadas.
Mas
este dever comporta uma modulação.
Ao
tempo em que a Lei n. 14.133/2021 estabeleceu o dever ao gestor público de
cumprir a ordem dos pagamentos, ela também estabeleceu algumas situações bem
específicas em que a ordem cronológica dos pagamentos poderá sofrer alteração.
Antes,
com a Lei n. 8.666/93 a possibilidade de alteração da ordem ficava a critério
de um juízo discricionário de maior amplitude.
Dizia
a antiga Lei de Licitações que a estrita ordem cronológica das datas de suas
exigibilidades poderia ser desconsiderada quando presentes relevantes razões
de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente,
devidamente publicada.
A
expressão razões de interesse público é por demais ampla.
A
Lei n. 14.133/2021 veio por ordem nisso, pois, como bem lembrou o professor
Luciano Ferraz, durante a vigência da lei n. 8.666/93 “o abismo entre a
previsão legal e a experiência foi enorme”.
A
atual lei de licitações trouxe algumas regras importantes.
Primeiro,
conferiu expressamente ao Controle Interno e ao Tribunal de Contas o dever
de fiscalizar se os pagamentos estão sendo realizados de acordo com a ordem
cronológica das exigibilidades, segundo cada fonte de recursos,
Segundo,
fixou uma obrigação acessória para todos os órgãos e entidades contratantes:
dar a devida publicidade em seus sítios eletrônicos. Ou seja, obrigatoriamente
deve estar translúcido nas suas respectivas páginas na internet, a ordem
estimada para os seus pagamentos, bem como as eventuais alterações com suas
justificativas, devem estar publicadas. A opacidade que vemos houve não é admitida pela Lei n. 14.133/2021.
Quem
aqui já localizou no site do seu município onde estão publicadas estas
informações?
Com
esta publicidade, toda a sociedade poderá fiscalizar os atos da administração
em relação ao cumprimento de suas obrigações contratuais.
Verifica-se,
para a observância da ordem de pagamentos, a necessidade de:
a) Cada ente federativo, definir a metodologia que
será adotada, tornando-a mais transparente à sociedade;
b) Deve-se ainda, registrar as justificativas que
ocasionaram quebra de ordem cronológica.
c) Dar publicidade;
Este tema é simples
na concepção, mas a sua execução pode demonstrar ser bem complexa, sem
metodologia, sem um sistema eletrônico adequado de gestão.
Portanto,
entendo adequado:
- o uso de sistema eletrônico de gestão para
servir de apoio ao exercício da atividade de pagamento;
- a necessidade de
estabelecer mecanismos internos de controle;
- a edição de ato normativo interno, estabelecendo
as rotinas de pagamento a serem seguidas pelo órgão.
Os fiscais, os responsáveis pela gestão contratual,
a autoridade, o responsável pela tesouraria, toda a cadeia administrativa deve
conhecer suas funções, responsabilidades e prazos, para que o pagamento seja
realizado a tempo.
Eu mencionei que a
Lei n. 14.133/2021 veio por ordem nesse tema.
Então,
agora não basta alegar que “por razões de interesse público” autorizo a
modificação da ordem de pagamento para beneficiar X ou Y.
A Lei de Licitações
atual trouxe detalhadamente em seu art. 141,
nos incisos I a V do seu § 1º as situações em que a ordem dos pagamentos poderá
ser alterada temporariamente.
A Lei n. 14.133/2021 previu exclusivamente as seguintes situações taxativas que permitem a alteração da ordem
cronológica:
a) grave perturbação da ordem, situação de
emergência ou calamidade pública.
b) pagamento a microempresa, empresa de pequeno
porte, agricultor familiar, produtor rural pessoa física, microempreendedor
individual e sociedade cooperativa, desde que demonstrado o risco de
descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato[3];
c) pagamento de serviços necessários ao
funcionamento dos sistemas estruturantes, desde que demonstrado o risco de
descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato;
d) pagamento de direitos oriundos de contratos em
caso de falência, recuperação judicial ou dissolução da empresa contratada;
e) pagamento de contrato cujo objeto seja
imprescindível para assegurar a integridade do patrimônio público ou para
manter o funcionamento das atividades finalísticas do órgão ou entidade, quando
demonstrado o risco de descontinuidade da prestação de serviço público de
relevância ou o cumprimento da missão institucional.
Assim, podemos constatar como
são extremamente raros os casos em que a ordem cronológica dos pagamentos
poderá ser validamente alterada.
Diferentemente
da vaga, genérica, ampla, autorização constante no revogado art. 5º da Lei n.
8.666/93, que aludia a “razões de interesse público”, a Lei n. 14.133/2021
descreveu, taxativamente, quais seriam estas razões no § 1º do seu art. 141.
São
cinco hipóteses em que a autoridade competente por autorizar o pagamento poderá
promover ajustes na ordem de pagamentos, desde que, previamente apresente a justificativa para a inversão dos
pagamentos.
Antes de concluir, gostaria de
destacar uma das coisas que reputo mais relevantes neste tema trazido pela Lei
n. 14.133/2021.
Os órgãos ou entidades públicas tem a
obrigação de disponibilizar, mensalmente, em seção específica de
acesso à informação em seu sítio na internet, a ordem cronológica de seus
pagamentos, bem como as justificativas que fundamentarem a eventual alteração
dessa ordem.
E
você, sabe onde encontrar estas informações no seu município?
Por fim, faço um alerta para a
necessidade de os entes federativos de regulamentarem, por exemplo:
-
os prazos para recebimento provisório e definitivo do objeto (liquidação), para
a autoridade expedir a autorização de pagamento, para a tesouraria cumprir a
ordem.
- a forma, prazo e condições de
avaliação pelo Controle Interno;
- definir
onde será feita a publicação (qual o endereço eletrônico correto);
- quem
irá comunicar o tribunal de contas, qual o prazo para esta comunicação?
Acredito
que seria necessário até mesmo aos Tribunais de Contas expedirem atos normativos
para disciplinarem o tema, seja em relação a atuação dos entes jurisdicionados,
seja como fará a própria instituição fará o tratamento das informações e como
serão processadas, além de definir internamente a quem caberá a executar a
fiscalização.
O dever de
fiscalização do TCE
O §
1º do art. 141 da Lei n. 14.133/2021 impõe o dever de a autoridade competente
comunicar aos órgãos de controle interno e externo, quando adotar a decisão de
subverter a ordem natural dos pagamentos estabelecidos em cronograma,
considerando as exigibilidades do adimplemento da obrigação de pagar imposta à
unidade administrativa contratante, e em seu § 2º, expressamente determinou a
estes órgãos de controle que realizem a fiscalização.
Talvez
tenhamos que buscar uma solução adequada, pois a própria Lei n. 14.133/2021
estabeleceu em seu art. 170 que os órgãos de controle adotarão, na fiscalização
dos atos previstos nesta Lei, critérios de oportunidade, materialidade,
relevância e risco.
No
âmbito do TCESC, por exemplo, foi instituído o Procedimento Apuratório
Preliminar por meio da Resolução TC n. 165/2020, com a finalidade de
racionalizar a sua atuação e as demandas de fiscalização não previstas no
planejamento anual.
Há
decisões diversas.
Recomendação
Decisões
no TCE/SC
Pelo
arquivamento e recomendação
- @PAP 23/80138553 (Decisão n. 798/2024),
optou-se pelo arquivamento do Procedimento Apuratório Preliminar devido ao não
atendimento da pontuação mínima na análise da seletividade, conforme o art. 9º
da Resolução n. TC-165/2020. Foi recomendado ao Município que observe a ordem
cronológica de pagamento, obrigação estabelecida no art. 141 da Nova Lei de
Licitações (Lei n. 14.133/21)
- @PAP
23/80130650 (DECISÃO SINGULAR: GCS/GSS - 612/2024), foi recomendado à
Prefeitura Municipal de (XXX), representada pelo atual Prefeito Municipal, Sr.
XXXXXX, que observe rigorosamente a ordem cronológica dos pagamentos da
administração municipal, especialmente em conformidade com o novo regramento da
Lei federal nº 14.133/2021, abrangendo os artigos 141 a 146.
- REP
1700188140 - Diante da identificação de uma ocorrência pontual de quebra da
ordem cronológica, e considerando que o não pagamento da despesa restou
justificado pela Unidade Gestora, a Representação é considerada improcedente,
com recomendação para que a Unidade Gestora observe a ordem cronológica de
pagamentos.
- @REP
16/00469555 - Considerou procedente a representação, mas dado o volume de
recursos envolvidos na quebra (aproximadamente 41 mil reais), não aplicou
sanção ao gestor e recomendou ao Fundo Municipal de Saúde, para que
realize justificativa prévia e devidamente publicada, da autoridade competente,
fundamentando quanto as razões de interesse público, caso haja necessidade da
quebra da ordem cronológica das datas de exigibilidades dos pagamentos.
- @REP
1700070492 - Representação. Pagamento de despesas. Quebra de ordem cronológica.
Não recorrência. Valores pouco expressivos. Recomendação.
Pagamento
durante a investigação
- @PAP
23/80064681 (Decisão n.: 382/2024), o Tribunal optou por converter o
Procedimento Apuratório Preliminar em processo de denúncia e determinou a
audiência do responsável devido ao atraso no pagamento de fornecedor, sob pena
de aplicação de multa.
A
Unidade técnica ponderou: No entanto,
uma vez quitado o débito, conforme comprovado nos presentes autos, fica
caracterizada a ausência do interesse de agir deste Tribunal de Contas, não
apenas em virtude da perda do objeto, mas também em função da materialidade e
relevância das ações a serem realizadas por este órgão.
Multa
ao gestor
@REP
18/00747923 - Aplicou multa
Mas em
recurso o TC relevou as multas (considerou fato isolado).
RECURSO DE REEXAME. PAGAMENTOS. ORDEM CRONOLÓGICA DAS
EXIGIBILIDADES. DESCUMPRIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA. AUSÊNCIA DE PRÉVIA
JUSTIFICATIVA DAS RAZÕES DE INTERESSE PÚBLICO. PARTICULARIDADES DO CASO
CONCRETO. DAR PROVIMENTO. No pagamento de suas obrigações, a Administração
Pública deve obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita
ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, excetuadas as
circunstâncias em que estejam presentes relevantes razões de interesse público
e mediante prévia justificativa da autoridade competente. É possível, no
entanto, relevar a aplicação de penalidade quando perceptível que a restrição
trata-se de fato isolado, não envolve valores expressivos, sendo até
justificada ante a necessidade de quitação de outras despesas mais urgentes,
hipótese em que a irregularidade
estaria limitada ao descumprimento do requisito formal de declarar por escrito,
prévia e formalmente, os motivos para a quebra da ordem cronológica.
- @REP
1600428441
REPRESENTAÇÃO. VIOLAÇÃO À LEI. PENALIDADE DE MULTA. O
pagamento de fornecedores com inobservância da estrita ordem cronológica das
exigibilidades, sem relevantes razões de interesse público previamente
justificadas e devidamente publicada pela autoridade administrativa, importa em
violação ao art. 5º, da Lei de Licitações, sujeitando o gestor à pena de multa
por grave infração à norma legal.
TCE
pode mandar pagar determinado fornecedor?
Além da possibilidade de
sancionamento ao agente público, é pacífico no TCE a ideia de o processo de
denúncia ou representação que tenha por objeto o descumprimento da ordem
cronológica não serve para substituir o uso das vias judiciais, pois se
compreende que o TCE não possui competência para determinar o pagamento dos
créditos existentes contra a Fazenda Pública do Município.
Entende-se que não.
@REP 19/00871022
@ REP 1801235721
Observou o Relator a falta de interesse da
sociedade catarinense no feito, “tal como alegou a representante ao final do
seu pedido, uma vez que busca a defesa de seus direitos individuais como
prestadora dos serviços ao ente público, ou seja, requer providências desta
Casa para que a Unidade Gestora realize os pagamentos devidos”.
“Embora a Secretaria Estadual de Saúde esteja no
rol de jurisdicionados desta Casa e o contrato firmado entre as partes possa
ser objeto de análise, conforme autoriza a Lei de Licitações, este Tribunal não
pode ser acionado para o resguardo de direito privado, incumbindo esta medida
ao Poder Judiciário”, enfatizou o Relator.
Mas poderia estabelecer prazos para que a
entidade adote as medidas necessárias para cumprir a Lei, amparado no art. 59,
inc. IX da Constituição Estadual e no art. 1º, inc. XII da Lei Complementar n.
202/2000?
Ainda que assim seja, entendo
que uma vez caracterizada a ilegalidade em relação ao disposto no art. 141 da
Lei n. 14.133/2021, é dever do órgão de controle não só responsabilizar o
gestor (aplicar multa), caso estejam presentes todos os elementos necessários, e
comunicar o fato ao MP/SC.
Entendo
também é possível ao TCE assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as
providências necessárias ao exato cumprimento da Lei, se verificada
ilegalidade, tendo com fundamento o art. 59, inc. IX da Constituição Estadual e
art. 1º, inc. XII da Lei Complementar n. 202/2000.
Assim como o TCE não pode anular
contrato, mas determina que o gestor o anule, entendemos que o TCE também
poderia determinar que a Unidade Gestora adote as providências necessárias para
restabelecer o dever de atender a estrita ordem cronológica das exigibilidades,
assinando prazo para agir.
O TCE todos os dias determina os gestores a adotarem as medidas corretivas necessárias ao exato cumprimento da lei, ou, se for o caso, para que promovam a anulação da licitação.
O
estelionato institucional, nas contratações públicas é inaceitável pelo
ordenamento jurídico brasileiro, e não pode contar com a complacência dos
órgãos de controle interno e externo, pois além de importar no descrédito da
Administração e na elevação dos custos nas licitações (devido ao risco de que
contratado não receber a contrapartida contratualmente), o não pagamento no prazo ajustado representa uma janela de
oportunidade para possíveis atos abusivos, conhecida popularmente pela
expressão, “quer rir, tem que me fazer rir”, imortalizada no cinema brasileiro
no filme Tropa de Elite.
Portanto,
é de interesse público que a Administração Pública cumpra com as suas
obrigações assumidas contratualmente, assim como que atue de todas as formas
para mitigar qualquer oportunidade que possa flertar com possíveis ilícitos.
E o
não cumprimento da ordem cronológica abre uma janela imensa para a prática de
atos corruptivos, e assim, merece todo o empenho dos órgãos de controle para
mantê-la fechada.
3. Conclusão
Não
há espaço para o calote nas contratações públicas, e os órgãos de controle
devem trabalhar para não permitir a proliferação de atos ilegais que possam, ao
tempo de causar danos à reputação da Administração Pública, também causem danos
ao erário e que possibilite aos agentes mal intencionados uma oportunidade para
a prática de atos ilegítimos.
Adequação orçamentária
Tanto é inaceitável que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n.
101/2000) já estabeleceu no seu art. 16, § 1º, inc. I a necessidade de todo empenho e licitação
de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras somente serem
autorizados se a despesa pública estiver adequada com a lei orçamentária anual,
seja por meio de dotação específica e suficiente, seja por meio de crédito
genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e
a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os
limites estabelecidos para o exercício.
O 4º, inc. I do art. 16 da LRF estabeleceu que a comprovação da
adequação orçamentária anual é uma condição prévia para o
empenho e licitação. Portanto, uma vez licitada, empenhada e contratada
e liquidada a despesa, não há motivos para a Administração deixar de adimplir a
sua obrigação contratual, ressalvado os casos expressamente admitidos na Lei n.
14.133/2021.
[1]
O TCE reconhece expressamente que a partir da
liquidação da despesa, o contratado passa a ter o direito à contraprestação
pecuniária, ou seja, o direito a receber o pagamento ajustado no contrato.
[2] Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado
após sua regular liquidação.
Art.
63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo
credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo
crédito.
§ 1° Essa
verificação tem por fim apurar:
I - a
origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a
importância exata a pagar;
III - a
quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º A
liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por
base:
I - o
contrato, ajuste ou acordo respectivo;
II - a nota
de empenho;
III - os
comprovantes da entrega do material ou da prestação efetiva do serviço.
[3] A Lei Complementar n. 46/2006 já previa
em seu art. 46 o seguinte: Art. 46. A
microempresa e a empresa de pequeno porte titular de direitos creditórios
decorrentes de empenhos liquidados por órgãos e entidades da União, Estados,
Distrito Federal e Município não pagos em até 30 (trinta) dias contados da data
de liquidação poderão emitir cédula de crédito microempresarial.